sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O Modo de Fazer a Farinha de Cruzeiro do Sul

Colheita de arroz no município de Cruzeiro do Sul e Senhor José Correia peneirando a farinha em Cruzeiro do Sul, Acre.



CELEBRAÇÕES, OFÍCIOS E MODOS DE FAZER
O Modo de Fazer a farinha de Cruzeiro do Sul e adjacências


Um modo de fazer local, reconhecido amplamente no Brasil, consiste na prática artesanal e familiar de fazer a famosa farinha de Cruzeiro do Sul, embora boa parte dessa produção venha de municípios vizinhos como Mâncio Lima e Rodrigues Alves.

Em 2012, o DPHC fez um “levantamento histórico do modo de fazer a farinha de Cruzeiro do Sul e adjacências” a fim de ver e ouvir as faces e as vozes da farinha. O intuito era percorrer estradas, localizando casas de farinha, mecanizadas e tradicionais e seus respectivos proprietários que, muitas vezes, constituem-se de várias famílias que utilizam o mesmo local num ‘esquema’ de trabalho definido entre os mesmos. O modo de produção é familiar e isso confere a cada membro, de acordo com idade e disposição, uma incumbência entre as várias etapas do processo de produção; a chamada “farinhada”. A seguir podemos verificar definições e depoimentos que compõem o relatório final desta pesquisa extremamente importante pra quem fez, pra quem participou e provavelmente, pra que nesse momento se dispõe a conhecer um pouco mais do “cotidiano dos fazedores de farinha”.

A farinha de mandioca artesanal possui características próprias de qualidade que são fortemente diferenciadas das farinhas produzidas industrialmente. A pequena escala de produção faz com que algumas etapas sejam diferenciadas, como o uso de fornos de alvenaria com revolvimento manual da massa, que concede ao produto sabor e odor típicos. Assim, cada fluxo de produção, conhecido pelos produtores como “farinhada”, dará origem a um lote de farinha com características diferenciadas. Por isso, existe uma grande variabilidade nas farinhas artesanais (SOUZA et al., 2008a).


Durante conversa com o Professor da Universidade Federal do Acre – UFAC – núcleo de Cruzeiro do Sul, José Evandro Nogueira da Silva pudemos nos remeter aos tempos idos quando nordestinos aqui chegaram e começaram a experimentar a mandioca consumida pelo índio.


“O índio já utilizava a mandioca na nossa região, o documento mais antigo que se tem notícia é o pão do índio, o vacabiscu. A mandioca entra como ingrediente desse pão. Essa tradição foi esquecida na hora em que o nordestino entra em contato com o índio, quer dizer, ele deixa de ser arredio e passa a conviver com o nordestino. O nordestino aprende a manejar a mandioca da região; daí ele começa a aperfeiçoar o processo de processar esse alimento para o seu consumo; daí eles vão experimentando né, testando, extraindo o polvilho, fazendo o beléu, o pé de moleque, a farinha de tapioca, a farinha com coco, a farinha torrada, aí vem tapioca, vem beiju seco, vem biscoito, vem sequilho, vem broa, é isso aí são os alimentos mais remotos derivados da mandioca desde desse contato com o índio. Quer dizer, o migrante nordestino ele aperfeiçoou esse alimento, essa produção de alimento derivado da mandioca (...) a coisa cresceu quando as culturas se fundiram.” (Professor José Evandro durante a entrevista.)


Outros fatores de relevância dizem respeito à tradição da produção familiar:


“Ah eu sou mesmo, uma mulher produtora de farinha, mãe de três filhos, agora professora do alfa cem e por eu ser professora eu tenho um objetivo que é ensinar as pessoas que não sabem e pra isso eu vou fundo, vou até o fim (...) um exemplo: se todo produtor rural fosse pra dentro de Cruzeiro do Sul? Falta de emprego, que é que não dava? Muita coisa.” (Maria José da Silva Maciel).


OS DERIVADOS


“Quem começou a fazer esse biscoito foi uma senhora, ela ainda é viva, mas ela já é bem antigazinha, a dona Didi... ela não produz mais porque ela já tem seus quase noventa anos... aí ela foi passando né, pras noras, as noras foi passando já pras filhas e assim foi passando de uma pra outra né, então é uma coisa assim que foi sendo repassada, aí foi passado pras amigas, as amigas foi passando de uma pra outra e nisso hoje graças a Deus, tem gente hoje que a sua renda só é mesmo do biscoito sabe, pessoas que mantêm famílias só com a renda do biscoito.” (Dona Marliz)



O LÉXICO DA MANDIOCA


A pesquisa denominada pelo subtítulo acima corrobora com o objetivo que trata do cotidiano histórico e cultural do modo de fazer em questão. Ressaltamos que tal pesquisa é fruto de um trabalho de conclusão de pós-graduação da Universidade Federal, núcleo de Cruzeiro do sul, conduzido pela professora Luísa Galvão Lessa.
A justificativa usada para a realização do Léxico da Mandioca assim define-se: a realização de um trabalho dialetal, que compreende as variedades linguísticas da região do vale do Juruá, visto que esta região, repleta de comunidades interioranas e pelo isolamento geográfico ainda mantêm grande parte da herança folclórica e cultural legada dos antepassados. Toda via, existem traços, marcas, que correm risco de serem totalmente esquecidas, tendo em vista as inovações advindas pela vida do século vigente. O trabalho completo pode ser acessado no núcleo da Universidade em Cruzeiro do Sul e cópia neste Departamento.




IRINEIDA NOBRE - HISTORIADORA

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