Para
os pensadores gregos o passado mítico possuía raízes de natureza histórica e
factual. E era exatamente essa história que ajudava a explicar a origem dos
ritos, dos grupos, das crenças, das filosofias, das cidades e até mesmo das
nações. Assim sendo, conforme afirma o escritor Walter Burkert em sua obra: Homo Necans, (1972), os "antigos
ritos gregos estavam associados a grupos definidos e por conseqüência a
determinadas localidades, isto é, santuários e altares que haviam sido estabelecidos
por todo o sempre".
E sobre esse assunto Burket continua: “desta
forma mitos fundadores gregos estabeleceram as leis que regiam as relações
entre certas divindades e sua comunidade adorante, a qual ligava sua
ancestralidade ao herói ou deus central àquele mito. Esses mitos também podiam
justificar a mudança de uma ordem antiga para outra”. O que por sua vez referendava: ”...
assim atos sociais, políticos e morais presentes em função da estrutura e
desenvolvimentos do mito fundador, consolidando a ordem social”.
Certamente
não é nossa pretensão aqui, e nesse momento, debater sobre a representação histórica
e filosófica do mito fundador. Talvez possamos avançar nessa discussão em outro
momento, o que não deixa de ser uma idéia bastante interessante. Ainda que tal
debate seja objeto extremamente complexo. De uma forma ou de outra haverá local
e fórum propício e imprescindível para tão acalorado debate.
Entretanto,
não é possível deixar passar a galope todas as lembranças do passado quase
recente da nossa cidade sem se manifestar e rememorar esse tempo ausente, que
se foi deixando apenas vagas recordações. Mesmo porque são fragmentos muito
significativos tanto para os seus moradores quanto para a sociedade acreana
como um todo.
E
não importa. Esse é o tema sobre o qual devemos nos debruçar e refletir visando
apreender outros olhares e sentidos do fato histórico, bem como da sua
importância para uma melhor compreensão da atualidade. Afinal, quase nunca são
trazidas á tona discussões dessa natureza. É sempre melhor manter a diplomacia.
Principalmente quando os herdeiros dessa história estão aí do outro lado, lendo
(os livros revistas) e ouvindo notícias publicadas nos rádios,
respectivamente. Calma, não entraremos nessa seara.
No
entanto pelo menos algumas perguntas devem ser formuladas: Porque a cidade
nasceu nesse e não em outro ponto do rio? Esse era o melhor local para receber
a sede de um seringal? Que fatores levaram o seu fundador a tomar essa decisão?
Talvez não existam respostas. E nem sei até que ponto isso faz diferença.
![Vista parcial da rua 06 de Agosto em Rio Branco, Acre.](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiL2s85pgm1gKdCQGzJUv6HVBOrOzWJpqqq0JueiK9KYpgzf_ATdxqJNk4kHo7JSXT-IhcJQdqeOy36dCz1M8Ro5pNHho-v_8qycoGoj2EzGT7cSfhyBClCVszQpP4mrQ10DR2hsWTqPZ29/s200/Foto+26.jpg)
Há
quem discorde, mas é exatamente o grande arbusto que se constituiu, não sei a
quanto tempo, em ponto de referência e de encontro para os amantes das boas
rodadas de cachaça, cerveja e forró. E, sobretudo, para a contação de história
que os riobranquenses mais apaixonados gostam de fazer para os visitantes.
Sejam tais visitantes: amigos, familiares ou turistas, que optaram por retornar
ou conhecer esta hospitaleira cidade brasileira plantada no coração da Amazônia.
Falo
isso porque a escolha poderia ter sido outra. A sede do seringal poderia ter
sido erguida em outra parte qualquer do rio. Talvez em um lugar mais alto, onde
a inundação dos meses de inverno não pudesse alcançar e causar transtornos.
Quem sabe num dos poucos locais onde se pode desfrutar de uma pequena praia nos
meses de verão. Ou quem sabe, ainda, ter como base o alto de um platô, de onde fosse
possível avistar ao longe e edificar instrumentos mais eficientes de defesa. Todavia,
sabe-se que não foi nada disso, a escolha foi exatamente aquele local que
conhecemos, situado no lado externo da curva do rio. Exatamente na área exposta
as ações de assoreamento. Ou seja, foi à sombra de uma árvore gigante que a
expedição atracou sua embarcação e deu origem a nossa cidade de Rio Branco.
Quem eram eles? Isso é apenas um detalhe. Na verdade, poderia ter sido qualquer
outro explorador.
Na
verdade já se foram 130 anos da chegada dos pioneiros responsáveis pela
instalação dos primeiros esteios de sustentação do barracão da sede do seringal
Volta da Empreza. Sendo, aproximadamente, entre 103 e 107 anos de abertura da
Rua Seis de Agosto. Por isso, hoje, analisando atentamente as imagens em preto
e branco expandidas na tela do computador, tem-se uma noção espaço temporal bastante
deslocada. Ainda que brote aquela sensação de que todos esses fatos são
acontecimentos vivenciados ontem ou anteontem. Na verdade, já faz mais de um
século. Pode até parecer pouco tempo porque está muito presente na memória
coletiva. Basta ver que os mais velhos ainda lembram perfeitamente das
histórias que seus pais contavam e que eles repassaram para os seus filhos e
netos.
![Praça Plácido de Castro localizada do Segundo Distrito de Rio Branco, Acre.](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3PJTnOpkGqBXk2tI3ZF2SunJmkDfcov1-AbbTUX7tQdfk9c8AL28DtpBfLYMj4m-tiEnO63hx6O0RL7LG_5Vp5_Se2nNeUzyZyMZ6ebQdN6Fg0citZdiEhfJmg6v9fBZ4SAwBPPSQVLTh/s200/Foto+1.jpg)
fundador”, são historicamente reconhecidos como acreanos históricos. Personagens “homéricos” cuja coragem, sacrifício e ambição se sobrepõem às correntes ideológicas e históricas, uma vez, que independentemente da opção filosófica e/ou rumo do debate, que possamos traçar, há que se compreender que eles escreveram as primeiras páginas de uma história sobre a qual rememoramos e assentamos a base da reflexão nesse momento.
No
mais a temporalidade se torna mais desfocada quando o objetivo é vislumbrar os
fragmentos ilustrativos dessa memória. É bem verdade que não sobrou muita coisa,
considerando o que significou a produção material dos dois ciclos da borracha.
Até parece estranho! O passado está bem aí, a pouco mais de um passo das nossas
mãos. Todavia, há uma forte sensação de que muito se perdeu, de que muito do
que existiu se foi sem deixar marcas ou vestígios. É como se restassem apenas
imagens congeladas desse período sob as quais é possível dedicar alguns
instantes do nosso saudoso tempo para contemplação. Recortes estes que retratam as crianças
brincando nas ruas antigas inundadas; as casas comerciais e residências emparelhadas
(com seus pés direitos altíssimos) constituindo uma aglomeração arquitetônica
mista composta tanto por lojas quanto por residências particulares. Através dos
quais também é possível contemplar o passo a passo das transformações que a
cidade sofreu ao longo das décadas, bem como o a presença de vapores e gaiolas atracados
ou encalhados no porto de Rio Branco, nos inesquecíveis anos de prosperidade.
Fugindo
de uma memória emocionada percebe-se que se trata de um passado mais recente e
vivo do que se pode vê e perceber. E, de fato, tudo isso ainda está muito presente
na memória das pessoas. Não bastasse a oralidade ainda é uma pratica muito
forte, o que pode ser constatado em qualquer esquina da cidade. Em especial, na
comunidade do Bairro Seis de Agosto, onde essa memorialidade pode ser muito bem
ilustrada há pouco tempo, no álbum dez vezes Seis.
Afinal,
estamos falando de um bairro que (não se esqueçam) além de ser um dos mais
antigos da cidade é onde hoje estão guardadas memórias vivas do passado da
nossa cidade de Rio Branco. Das casas sem cercado, assim como dos bares Porta
Larga; do Sr. Praxedes e da Dona Nenzinha. E dos mercadinhos “Periquita da
Madame” e “Do Chibiu”. Além de tantos outros personagens e acontecimentos que
fizeram e fazem parte dessa história de Tantas
vezes Seis.
Por LIBÉRIO SOUZA
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