segunda-feira, 12 de agosto de 2013

São tantas vezes Seis

Ônibus que fazia a linha 06 de Agosto ao bairro Quinze em Rio Branco, Acre.
Para os pensadores gregos o passado mítico possuía raízes de natureza histórica e factual. E era exatamente essa história que ajudava a explicar a origem dos ritos, dos grupos, das crenças, das filosofias, das cidades e até mesmo das nações. Assim sendo, conforme afirma o escritor Walter Burkert em sua obra: Homo Necans, (1972), os "antigos ritos gregos estavam associados a grupos definidos e por conseqüência a determinadas localidades, isto é, santuários e altares que haviam sido estabelecidos por todo o sempre".

E sobre esse assunto Burket continua: desta forma mitos fundadores gregos estabeleceram as leis que regiam as relações entre certas divindades e sua comunidade adorante, a qual ligava sua ancestralidade ao herói ou deus central àquele mito. Esses mitos também podiam justificar a mudança de uma ordem antiga para outra”. O que por sua vez referendava: ”... assim atos sociais, políticos e morais presentes em função da estrutura e desenvolvimentos do mito fundador, consolidando a ordem social”.

Rua 06 de Agosto pavimentada com tijolos em Rio Branco, Acre.
Certamente não é nossa pretensão aqui, e nesse momento, debater sobre a representação histórica e filosófica do mito fundador. Talvez possamos avançar nessa discussão em outro momento, o que não deixa de ser uma idéia bastante interessante. Ainda que tal debate seja objeto extremamente complexo. De uma forma ou de outra haverá local e fórum propício e imprescindível para tão acalorado debate.  

Entretanto, não é possível deixar passar a galope todas as lembranças do passado quase recente da nossa cidade sem se manifestar e rememorar esse tempo ausente, que se foi deixando apenas vagas recordações. Mesmo porque são fragmentos muito significativos tanto para os seus moradores quanto para a sociedade acreana como um todo.

E não importa. Esse é o tema sobre o qual devemos nos debruçar e refletir visando apreender outros olhares e sentidos do fato histórico, bem como da sua importância para uma melhor compreensão da atualidade. Afinal, quase nunca são trazidas á tona discussões dessa natureza. É sempre melhor manter a diplomacia. Principalmente quando os herdeiros dessa história estão aí do outro lado, lendo (os livros revistas) e ouvindo notícias publicadas nos rádios, respectivamente. Calma, não entraremos nessa seara.

No entanto pelo menos algumas perguntas devem ser formuladas: Porque a cidade nasceu nesse e não em outro ponto do rio? Esse era o melhor local para receber a sede de um seringal? Que fatores levaram o seu fundador a tomar essa decisão? Talvez não existam respostas. E nem sei até que ponto isso faz diferença.

Vista parcial da rua 06 de Agosto em Rio Branco, Acre.Mas antes de qualquer coisa é importante e necessário lembrar que o rio é detentor de um papel importante e estratégico para o soerguimento da cidade e formação história da sociedade acreana, por assim dizer. Entretanto, foi a majestosa (gameleira ou apuí, não importa), que se destacou aos olhos do explorador quando esse em sua marcha lenta subia o rio Acre, rumo às cabeceiras á procura da famosa árvore que jorrava o leite tão cobiçado, e a partir do qual era produzido o ouro negro.

Há quem discorde, mas é exatamente o grande arbusto que se constituiu, não sei a quanto tempo, em ponto de referência e de encontro para os amantes das boas rodadas de cachaça, cerveja e forró. E, sobretudo, para a contação de história que os riobranquenses mais apaixonados gostam de fazer para os visitantes. Sejam tais visitantes: amigos, familiares ou turistas, que optaram por retornar ou conhecer esta hospitaleira cidade brasileira plantada no coração da Amazônia.

Falo isso porque a escolha poderia ter sido outra. A sede do seringal poderia ter sido erguida em outra parte qualquer do rio. Talvez em um lugar mais alto, onde a inundação dos meses de inverno não pudesse alcançar e causar transtornos. Quem sabe num dos poucos locais onde se pode desfrutar de uma pequena praia nos meses de verão. Ou quem sabe, ainda, ter como base o alto de um platô, de onde fosse possível avistar ao longe e edificar instrumentos mais eficientes de defesa. Todavia, sabe-se que não foi nada disso, a escolha foi exatamente aquele local que conhecemos, situado no lado externo da curva do rio. Exatamente na área exposta as ações de assoreamento. Ou seja, foi à sombra de uma árvore gigante que a expedição atracou sua embarcação e deu origem a nossa cidade de Rio Branco. Quem eram eles? Isso é apenas um detalhe. Na verdade, poderia ter sido qualquer outro explorador.

Pessoas transitando pela rua 06 de Agosto em Rio Branco, Acre.
Na verdade já se foram 130 anos da chegada dos pioneiros responsáveis pela instalação dos primeiros esteios de sustentação do barracão da sede do seringal Volta da Empreza. Sendo, aproximadamente, entre 103 e 107 anos de abertura da Rua Seis de Agosto. Por isso, hoje, analisando atentamente as imagens em preto e branco expandidas na tela do computador, tem-se uma noção espaço temporal bastante deslocada. Ainda que brote aquela sensação de que todos esses fatos são acontecimentos vivenciados ontem ou anteontem. Na verdade, já faz mais de um século. Pode até parecer pouco tempo porque está muito presente na memória coletiva. Basta ver que os mais velhos ainda lembram perfeitamente das histórias que seus pais contavam e que eles repassaram para os seus filhos e netos.

Praça Plácido de Castro localizada do Segundo Distrito de Rio Branco, Acre.Entretanto, desde então, já se constituíram cinco ou mais gerações de acreanos. Ou seja, já existem mais acreanos do Nordeste.  E você pode perguntar: Como assim? E existem acreanos nascidos fora do acre? Nesse caso, especificamente, sim. Trata-se dos homens e mulheres, seringueiros e seringalistas, que por serem os “desbravadores” e terem contribuído com a “invenção do Acre”, e com a constituição e construção do que se pode chamar de “mito
Vista parcial da rua 06 de Agosto e residências em Rio Branco, Acre.
fundador”, são historicamente reconhecidos como acreanos históricos. Personagens “homéricos” cuja coragem, sacrifício e ambição se sobrepõem às correntes ideológicas e históricas, uma vez, que independentemente da opção filosófica e/ou rumo do debate, que possamos traçar, há que se compreender que eles escreveram as primeiras páginas de uma história sobre a qual rememoramos e assentamos a base da reflexão nesse momento.

No mais a temporalidade se torna mais desfocada quando o objetivo é vislumbrar os fragmentos ilustrativos dessa memória. É bem verdade que não sobrou muita coisa, considerando o que significou a produção material dos dois ciclos da borracha. Até parece estranho! O passado está bem aí, a pouco mais de um passo das nossas mãos. Todavia, há uma forte sensação de que muito se perdeu, de que muito do que existiu se foi sem deixar marcas ou vestígios. É como se restassem apenas imagens congeladas desse período sob as quais é possível dedicar alguns instantes do nosso saudoso tempo para contemplação.  Recortes estes que retratam as crianças brincando nas ruas antigas inundadas; as casas comerciais e residências emparelhadas (com seus pés direitos altíssimos) constituindo uma aglomeração arquitetônica mista composta tanto por lojas quanto por residências particulares. Através dos quais também é possível contemplar o passo a passo das transformações que a cidade sofreu ao longo das décadas, bem como o a presença de vapores e gaiolas atracados ou encalhados no porto de Rio Branco, nos inesquecíveis anos de prosperidade. 

Fugindo de uma memória emocionada percebe-se que se trata de um passado mais recente e vivo do que se pode vê e perceber. E, de fato, tudo isso ainda está muito presente na memória das pessoas. Não bastasse a oralidade ainda é uma pratica muito forte, o que pode ser constatado em qualquer esquina da cidade. Em especial, na comunidade do Bairro Seis de Agosto, onde essa memorialidade pode ser muito bem ilustrada há pouco tempo, no álbum dez vezes Seis.

Comércio do Senhor Praxedes no início da Rua 06 de Agosto em Rio Branco, Acre.
Afinal, estamos falando de um bairro que (não se esqueçam) além de ser um dos mais antigos da cidade é onde hoje estão guardadas memórias vivas do passado da nossa cidade de Rio Branco. Das casas sem cercado, assim como dos bares Porta Larga; do Sr. Praxedes e da Dona Nenzinha. E dos mercadinhos “Periquita da Madame” e “Do Chibiu”. Além de tantos outros personagens e acontecimentos que fizeram e fazem parte dessa história de Tantas vezes Seis.


Por LIBÉRIO SOUZA

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