sexta-feira, 9 de agosto de 2013

São João do Guarani

Fiéis a cavalo e a procissão de São João do Guarani em Xapuri, Acre.





CELEBRAÇÕES, OFÍCIOS E MODOS DE FAZER
São João do Guarani: santo seringueiro é santo da floresta


Oportunamente no dia 24 de Junho pudemos ver de perto o quanto à memória coletiva é presente e o quanto ela está enraizada na vida das comunidades da floresta. Basta ver o quanto a celebração dedicada a São João do Guarani é especial para os moradores da Reserva Extrativista-RESEX Chico Mendes. Um dia em que a comunidade festivamente expressa sua devoção a um santo anônimo, que foi convertido e mantido por ela mesma. Ou seja, por homens e mulheres que depositaram sua fé e praticaram suas orações atribuindo ao João do Guarani uma simbologia que independe do olhar e dos interesses externos. E não se trata de um evento recente nem pitoresco. Rigorosamente, é uma celebração realizada a mais de cem anos por moradores da região e dedicada ao “Santo da Floresta” ou Santo Seringueiro.

Mas quem, de fato, foi São João do Guarani? Até onde se sabe João foi mais um seringueiro, de origem pernambucana, que como tantos outros nordestinos, veio para a região no inicio do século XX para trabalhar na extração do látex, com o propósito de tentar a sorte, fazer fortuna e retornar a terra natal. De acordo com informações obtidas junto ao Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) de Xapuri o referido seringueiro trabalhava no seringal Recife, no rio Jacó, em terras do município de Sena Madureira cuja produção era, pela aproximação, escoada e comercializada na pequena cidade de Xapuri. Sendo, portanto, na colocação Guarani, passagem entre o seringal e a pequena cidade situada na foz do principal afluente do rio Acre.

É importante lembrar que de acordo com a versão da morte natural, o João pernambucano, foi acometido por uma forte malária e, por isso, decidiu seguir à procura de tratamento tendo ao longo do caminho, entre a colocação onde morava e Xapuri, vindo a óbito e sido encontrado no local somente dois dias depois. João fora transportado e sem cerimônias nem honrarias enterrado, próximo a sua humilde residência localizada à margem do varadouro, como tantos outros anônimos que assim foram devolvidos a mãe natureza.

E no que diz respeito à história dos milagres as memórias revelam que o primeiro aconteceu quando, pouco tempo após a morte de João, dois seringueiros, durante caçada pelas matas da região, se perderam e sem esperança de encontrar o caminho de volta decidiram fazer promessa à alma do amigo. Contam os mais antigos que após alguns minutos de caminhada os dois homens se depararam com o local da sepultura. Decidiram então pagar a promessa feita e atendida confeccionando uma cruz para identificar o lugar exato onde João havia falecido.

Em pouco tempo a história “correu o mundo”. A alma milagrosa da colocação Guarani virou referência na região e a cada ano recebe mais pessoas advindas das redondezas e até de outras localidades, que passaram a visitar o local com frequência para fazer ou pagar as promessas e agradecer pelas bênçãos recebidas. Na última celebração, entre os dias 23 e 24 de junho, não foi diferente, visitaram o local cerca de 500 pessoas, entre devotos, curiosos e autoridades, conforme informou a policia militar.

Nessa data, a convite do professor e Diretor da Biblioteca da Floresta, Marcos Afonso e da Presidenta da FEM, Francis Mary, e acompanhados da historiadora Irineida Nobre, da coordenadora executiva, dos 25 Anos: Chico Vive mais, Walnísia Cavalcante, pelos membros da Comissão Ecumênica, padres Massimo Lombardi e Luiz Ceppi, e de outros colaboradores, tivemos a oportunidade de acompanhar a celebração da colocação Guarani.

Oportunamente pudemos compreender o quanto o evento é consistente, pois traz na sua realização não apenas a força da religiosidade herdada da cultura nordestina, mas a impressão da relação coesa que agrega valores, costumes e tradições orais daquela gente que insiste em viver e manter suas práticas, morando ali na floresta, na colocação, percorrendo dia a dia os ramais e varadouros que ligam a cidade às suas casas e vidas comuns.


LIBÉRIO SOUZA

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