quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Casa antiga da capital vai ser restaurada


Fachada da residência da Família Barbosa.


Equipe de arquitetura realizando medições na residência da família Barbosa.Como continuidade dos processos de tombamento, ontem, 19, a Coordenação do DPHC, juntamente com a Divisão de Preservação, equipe responsável - dentre outras coisas - pelos projetos arquitetônicos e pelos tombamentos, realizou as medições da histórica residência particular localizada na Avenida Brasil, no centro de Rio Branco.
Mercedes Lavocat Barbosa e Libério Souza na residência da família Barbosa.
A residência pertence à família Barbosa e faz parte dos bens privados que estão em processo de tombamento. Trata-se de um casarão com 208,75 m² e data, aproximadamente, da década de 1930.

Por se tratar de um bem em processo de tombamento ele já se encontra protegido pela Lei 1.294/99 e deve passar pelo processo de restauração. Processo esse coordenado pelo DPHC, que deverá solicitar apoio técnico junto ao IPHAN – Seccional Acre. Na seta-feira passada vimos que outra residência particular, localizada no Bairro da Base, também está passando pelo processo de tombamento e teve as suas medições arquitetônicas levantadas pela equipe do DPHC.
 
Parte superior da residência da família Barbosa.
 

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

São tantas vezes Seis

Ônibus que fazia a linha 06 de Agosto ao bairro Quinze em Rio Branco, Acre.
Para os pensadores gregos o passado mítico possuía raízes de natureza histórica e factual. E era exatamente essa história que ajudava a explicar a origem dos ritos, dos grupos, das crenças, das filosofias, das cidades e até mesmo das nações. Assim sendo, conforme afirma o escritor Walter Burkert em sua obra: Homo Necans, (1972), os "antigos ritos gregos estavam associados a grupos definidos e por conseqüência a determinadas localidades, isto é, santuários e altares que haviam sido estabelecidos por todo o sempre".

E sobre esse assunto Burket continua: desta forma mitos fundadores gregos estabeleceram as leis que regiam as relações entre certas divindades e sua comunidade adorante, a qual ligava sua ancestralidade ao herói ou deus central àquele mito. Esses mitos também podiam justificar a mudança de uma ordem antiga para outra”. O que por sua vez referendava: ”... assim atos sociais, políticos e morais presentes em função da estrutura e desenvolvimentos do mito fundador, consolidando a ordem social”.

Rua 06 de Agosto pavimentada com tijolos em Rio Branco, Acre.
Certamente não é nossa pretensão aqui, e nesse momento, debater sobre a representação histórica e filosófica do mito fundador. Talvez possamos avançar nessa discussão em outro momento, o que não deixa de ser uma idéia bastante interessante. Ainda que tal debate seja objeto extremamente complexo. De uma forma ou de outra haverá local e fórum propício e imprescindível para tão acalorado debate.  

Entretanto, não é possível deixar passar a galope todas as lembranças do passado quase recente da nossa cidade sem se manifestar e rememorar esse tempo ausente, que se foi deixando apenas vagas recordações. Mesmo porque são fragmentos muito significativos tanto para os seus moradores quanto para a sociedade acreana como um todo.

E não importa. Esse é o tema sobre o qual devemos nos debruçar e refletir visando apreender outros olhares e sentidos do fato histórico, bem como da sua importância para uma melhor compreensão da atualidade. Afinal, quase nunca são trazidas á tona discussões dessa natureza. É sempre melhor manter a diplomacia. Principalmente quando os herdeiros dessa história estão aí do outro lado, lendo (os livros revistas) e ouvindo notícias publicadas nos rádios, respectivamente. Calma, não entraremos nessa seara.

No entanto pelo menos algumas perguntas devem ser formuladas: Porque a cidade nasceu nesse e não em outro ponto do rio? Esse era o melhor local para receber a sede de um seringal? Que fatores levaram o seu fundador a tomar essa decisão? Talvez não existam respostas. E nem sei até que ponto isso faz diferença.

Vista parcial da rua 06 de Agosto em Rio Branco, Acre.Mas antes de qualquer coisa é importante e necessário lembrar que o rio é detentor de um papel importante e estratégico para o soerguimento da cidade e formação história da sociedade acreana, por assim dizer. Entretanto, foi a majestosa (gameleira ou apuí, não importa), que se destacou aos olhos do explorador quando esse em sua marcha lenta subia o rio Acre, rumo às cabeceiras á procura da famosa árvore que jorrava o leite tão cobiçado, e a partir do qual era produzido o ouro negro.

Há quem discorde, mas é exatamente o grande arbusto que se constituiu, não sei a quanto tempo, em ponto de referência e de encontro para os amantes das boas rodadas de cachaça, cerveja e forró. E, sobretudo, para a contação de história que os riobranquenses mais apaixonados gostam de fazer para os visitantes. Sejam tais visitantes: amigos, familiares ou turistas, que optaram por retornar ou conhecer esta hospitaleira cidade brasileira plantada no coração da Amazônia.

Falo isso porque a escolha poderia ter sido outra. A sede do seringal poderia ter sido erguida em outra parte qualquer do rio. Talvez em um lugar mais alto, onde a inundação dos meses de inverno não pudesse alcançar e causar transtornos. Quem sabe num dos poucos locais onde se pode desfrutar de uma pequena praia nos meses de verão. Ou quem sabe, ainda, ter como base o alto de um platô, de onde fosse possível avistar ao longe e edificar instrumentos mais eficientes de defesa. Todavia, sabe-se que não foi nada disso, a escolha foi exatamente aquele local que conhecemos, situado no lado externo da curva do rio. Exatamente na área exposta as ações de assoreamento. Ou seja, foi à sombra de uma árvore gigante que a expedição atracou sua embarcação e deu origem a nossa cidade de Rio Branco. Quem eram eles? Isso é apenas um detalhe. Na verdade, poderia ter sido qualquer outro explorador.

Pessoas transitando pela rua 06 de Agosto em Rio Branco, Acre.
Na verdade já se foram 130 anos da chegada dos pioneiros responsáveis pela instalação dos primeiros esteios de sustentação do barracão da sede do seringal Volta da Empreza. Sendo, aproximadamente, entre 103 e 107 anos de abertura da Rua Seis de Agosto. Por isso, hoje, analisando atentamente as imagens em preto e branco expandidas na tela do computador, tem-se uma noção espaço temporal bastante deslocada. Ainda que brote aquela sensação de que todos esses fatos são acontecimentos vivenciados ontem ou anteontem. Na verdade, já faz mais de um século. Pode até parecer pouco tempo porque está muito presente na memória coletiva. Basta ver que os mais velhos ainda lembram perfeitamente das histórias que seus pais contavam e que eles repassaram para os seus filhos e netos.

Praça Plácido de Castro localizada do Segundo Distrito de Rio Branco, Acre.Entretanto, desde então, já se constituíram cinco ou mais gerações de acreanos. Ou seja, já existem mais acreanos do Nordeste.  E você pode perguntar: Como assim? E existem acreanos nascidos fora do acre? Nesse caso, especificamente, sim. Trata-se dos homens e mulheres, seringueiros e seringalistas, que por serem os “desbravadores” e terem contribuído com a “invenção do Acre”, e com a constituição e construção do que se pode chamar de “mito
Vista parcial da rua 06 de Agosto e residências em Rio Branco, Acre.
fundador”, são historicamente reconhecidos como acreanos históricos. Personagens “homéricos” cuja coragem, sacrifício e ambição se sobrepõem às correntes ideológicas e históricas, uma vez, que independentemente da opção filosófica e/ou rumo do debate, que possamos traçar, há que se compreender que eles escreveram as primeiras páginas de uma história sobre a qual rememoramos e assentamos a base da reflexão nesse momento.

No mais a temporalidade se torna mais desfocada quando o objetivo é vislumbrar os fragmentos ilustrativos dessa memória. É bem verdade que não sobrou muita coisa, considerando o que significou a produção material dos dois ciclos da borracha. Até parece estranho! O passado está bem aí, a pouco mais de um passo das nossas mãos. Todavia, há uma forte sensação de que muito se perdeu, de que muito do que existiu se foi sem deixar marcas ou vestígios. É como se restassem apenas imagens congeladas desse período sob as quais é possível dedicar alguns instantes do nosso saudoso tempo para contemplação.  Recortes estes que retratam as crianças brincando nas ruas antigas inundadas; as casas comerciais e residências emparelhadas (com seus pés direitos altíssimos) constituindo uma aglomeração arquitetônica mista composta tanto por lojas quanto por residências particulares. Através dos quais também é possível contemplar o passo a passo das transformações que a cidade sofreu ao longo das décadas, bem como o a presença de vapores e gaiolas atracados ou encalhados no porto de Rio Branco, nos inesquecíveis anos de prosperidade. 

Fugindo de uma memória emocionada percebe-se que se trata de um passado mais recente e vivo do que se pode vê e perceber. E, de fato, tudo isso ainda está muito presente na memória das pessoas. Não bastasse a oralidade ainda é uma pratica muito forte, o que pode ser constatado em qualquer esquina da cidade. Em especial, na comunidade do Bairro Seis de Agosto, onde essa memorialidade pode ser muito bem ilustrada há pouco tempo, no álbum dez vezes Seis.

Comércio do Senhor Praxedes no início da Rua 06 de Agosto em Rio Branco, Acre.
Afinal, estamos falando de um bairro que (não se esqueçam) além de ser um dos mais antigos da cidade é onde hoje estão guardadas memórias vivas do passado da nossa cidade de Rio Branco. Das casas sem cercado, assim como dos bares Porta Larga; do Sr. Praxedes e da Dona Nenzinha. E dos mercadinhos “Periquita da Madame” e “Do Chibiu”. Além de tantos outros personagens e acontecimentos que fizeram e fazem parte dessa história de Tantas vezes Seis.


Por LIBÉRIO SOUZA

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Quebe? De arroz? De macaxeira?

Quibes, quebes, de arroz e de macaxeira comuns no Acre.



CELEBRAÇÕES, OFÍCIOS E MODOS DE FAZER

Quebe? De arroz? De macaxeira?


Estas são perguntas comuns quando um visitante inexperiente no assunto se depara com uma estufa quente, lotada destas iguarias fumaçantes em qualquer lanchonete do Acre.

Sob uma ótica mais conceitual não é, de pronto, muito fácil explicar as origens desses quitutes que só se vê, e saboreia, por aqui. Porém, eles se assemelham, e porque não dizer que, são da família do quibe árabe que é típico do Oriente Médio e considerado um prato nacional na Síria e no Líbano, mas também conhecido e apreciado em outros países como a África, Turquia e Armênia. Foram imigrantes destas regiões que difundiram a receita para o Brasil. Tanto que os quibes árabes, uma massa de carne, trigo tabule e um recheio de carne e ervas, pode ser encontrado em diversas lanchonetes e padarias de todo o país.

A partir daí é que a história vai ficando mais interessante, pois demonstra a capacidade de adaptar-se do ser humano; seja para garantir sua sobrevivência, ao passo que se apropria da receita que chega de longe e a adapta aos seus ingredientes mais típicos e, ou, também faz tudo isso com o intuito de agradar seu paladar “quente e úmido” de amazônico ocidental.

O Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural reconhece a riqueza e prevê um levantamento histórico minucioso sobre o modo de fazer o quibe ou quebe de arroz e de macaxeira.

Essas iguarias constituem, sem dúvida, um bem cultural tão rico que permeia os ofícios e modos de fazer, da nossa sociedade.

Importante também destacar que o que já foi ressignificado quando da adaptação feita a partir do que chega com o imigrante, passa também por alterações em seu modo de fazer dentro do próprio Estado, de acordo com o tempo e a localidade; em Tarauacá, por exemplo, já foi muito comum comer-se um “quebe” de arroz que não é frito nem possui formato alongado. Ao contrário, é redondo, passado na farofa de farinha de mandioca peneirada, fruto de uma mistura de óleo e colorau (condimento utilizado para dar cor a comidas.

Ao final, como uma espécie de apresentação do prato, um punhado de cebolinha verde é jogado por sobre a “baciada” saborosa. Este modo de fazer, tomado como exemplo, pode nos levar à reflexão sobre as condições socioeconômicas, intervindo diretamente no resultado do produto, do ponto de vista do seu sabor e da relação custo benefício. Também é importante salientar que este exemplo citado é cada vez mais substituído pelo “quibe frito” e que possivelmente deverá fazer parte apenas dos registros institucionais e da memória dos mais velhos, como dona Terezinha Batista que diz já ter feito muitos “quebes” para auxiliar o marido no sustento da família e que hoje reconhece que este modo peculiar já não é tão apreciado, mas, que um dia o foi.

É dessas memórias que qualquer sociedade precisa pra ser melhor nos aspectos relativos à educação, respeito e valorização dos bens culturais que possui e de seus detentores, os verdadeiros guardiões da memória.


IRINEIDA NOBRE - HISTORIADORA

O Modo de Fazer a Farinha de Cruzeiro do Sul

Colheita de arroz no município de Cruzeiro do Sul e Senhor José Correia peneirando a farinha em Cruzeiro do Sul, Acre.



CELEBRAÇÕES, OFÍCIOS E MODOS DE FAZER
O Modo de Fazer a farinha de Cruzeiro do Sul e adjacências


Um modo de fazer local, reconhecido amplamente no Brasil, consiste na prática artesanal e familiar de fazer a famosa farinha de Cruzeiro do Sul, embora boa parte dessa produção venha de municípios vizinhos como Mâncio Lima e Rodrigues Alves.

Em 2012, o DPHC fez um “levantamento histórico do modo de fazer a farinha de Cruzeiro do Sul e adjacências” a fim de ver e ouvir as faces e as vozes da farinha. O intuito era percorrer estradas, localizando casas de farinha, mecanizadas e tradicionais e seus respectivos proprietários que, muitas vezes, constituem-se de várias famílias que utilizam o mesmo local num ‘esquema’ de trabalho definido entre os mesmos. O modo de produção é familiar e isso confere a cada membro, de acordo com idade e disposição, uma incumbência entre as várias etapas do processo de produção; a chamada “farinhada”. A seguir podemos verificar definições e depoimentos que compõem o relatório final desta pesquisa extremamente importante pra quem fez, pra quem participou e provavelmente, pra que nesse momento se dispõe a conhecer um pouco mais do “cotidiano dos fazedores de farinha”.

A farinha de mandioca artesanal possui características próprias de qualidade que são fortemente diferenciadas das farinhas produzidas industrialmente. A pequena escala de produção faz com que algumas etapas sejam diferenciadas, como o uso de fornos de alvenaria com revolvimento manual da massa, que concede ao produto sabor e odor típicos. Assim, cada fluxo de produção, conhecido pelos produtores como “farinhada”, dará origem a um lote de farinha com características diferenciadas. Por isso, existe uma grande variabilidade nas farinhas artesanais (SOUZA et al., 2008a).


Durante conversa com o Professor da Universidade Federal do Acre – UFAC – núcleo de Cruzeiro do Sul, José Evandro Nogueira da Silva pudemos nos remeter aos tempos idos quando nordestinos aqui chegaram e começaram a experimentar a mandioca consumida pelo índio.


“O índio já utilizava a mandioca na nossa região, o documento mais antigo que se tem notícia é o pão do índio, o vacabiscu. A mandioca entra como ingrediente desse pão. Essa tradição foi esquecida na hora em que o nordestino entra em contato com o índio, quer dizer, ele deixa de ser arredio e passa a conviver com o nordestino. O nordestino aprende a manejar a mandioca da região; daí ele começa a aperfeiçoar o processo de processar esse alimento para o seu consumo; daí eles vão experimentando né, testando, extraindo o polvilho, fazendo o beléu, o pé de moleque, a farinha de tapioca, a farinha com coco, a farinha torrada, aí vem tapioca, vem beiju seco, vem biscoito, vem sequilho, vem broa, é isso aí são os alimentos mais remotos derivados da mandioca desde desse contato com o índio. Quer dizer, o migrante nordestino ele aperfeiçoou esse alimento, essa produção de alimento derivado da mandioca (...) a coisa cresceu quando as culturas se fundiram.” (Professor José Evandro durante a entrevista.)


Outros fatores de relevância dizem respeito à tradição da produção familiar:


“Ah eu sou mesmo, uma mulher produtora de farinha, mãe de três filhos, agora professora do alfa cem e por eu ser professora eu tenho um objetivo que é ensinar as pessoas que não sabem e pra isso eu vou fundo, vou até o fim (...) um exemplo: se todo produtor rural fosse pra dentro de Cruzeiro do Sul? Falta de emprego, que é que não dava? Muita coisa.” (Maria José da Silva Maciel).


OS DERIVADOS


“Quem começou a fazer esse biscoito foi uma senhora, ela ainda é viva, mas ela já é bem antigazinha, a dona Didi... ela não produz mais porque ela já tem seus quase noventa anos... aí ela foi passando né, pras noras, as noras foi passando já pras filhas e assim foi passando de uma pra outra né, então é uma coisa assim que foi sendo repassada, aí foi passado pras amigas, as amigas foi passando de uma pra outra e nisso hoje graças a Deus, tem gente hoje que a sua renda só é mesmo do biscoito sabe, pessoas que mantêm famílias só com a renda do biscoito.” (Dona Marliz)



O LÉXICO DA MANDIOCA


A pesquisa denominada pelo subtítulo acima corrobora com o objetivo que trata do cotidiano histórico e cultural do modo de fazer em questão. Ressaltamos que tal pesquisa é fruto de um trabalho de conclusão de pós-graduação da Universidade Federal, núcleo de Cruzeiro do sul, conduzido pela professora Luísa Galvão Lessa.
A justificativa usada para a realização do Léxico da Mandioca assim define-se: a realização de um trabalho dialetal, que compreende as variedades linguísticas da região do vale do Juruá, visto que esta região, repleta de comunidades interioranas e pelo isolamento geográfico ainda mantêm grande parte da herança folclórica e cultural legada dos antepassados. Toda via, existem traços, marcas, que correm risco de serem totalmente esquecidas, tendo em vista as inovações advindas pela vida do século vigente. O trabalho completo pode ser acessado no núcleo da Universidade em Cruzeiro do Sul e cópia neste Departamento.




IRINEIDA NOBRE - HISTORIADORA

São João do Guarani

Fiéis a cavalo e a procissão de São João do Guarani em Xapuri, Acre.





CELEBRAÇÕES, OFÍCIOS E MODOS DE FAZER
São João do Guarani: santo seringueiro é santo da floresta


Oportunamente no dia 24 de Junho pudemos ver de perto o quanto à memória coletiva é presente e o quanto ela está enraizada na vida das comunidades da floresta. Basta ver o quanto a celebração dedicada a São João do Guarani é especial para os moradores da Reserva Extrativista-RESEX Chico Mendes. Um dia em que a comunidade festivamente expressa sua devoção a um santo anônimo, que foi convertido e mantido por ela mesma. Ou seja, por homens e mulheres que depositaram sua fé e praticaram suas orações atribuindo ao João do Guarani uma simbologia que independe do olhar e dos interesses externos. E não se trata de um evento recente nem pitoresco. Rigorosamente, é uma celebração realizada a mais de cem anos por moradores da região e dedicada ao “Santo da Floresta” ou Santo Seringueiro.

Mas quem, de fato, foi São João do Guarani? Até onde se sabe João foi mais um seringueiro, de origem pernambucana, que como tantos outros nordestinos, veio para a região no inicio do século XX para trabalhar na extração do látex, com o propósito de tentar a sorte, fazer fortuna e retornar a terra natal. De acordo com informações obtidas junto ao Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) de Xapuri o referido seringueiro trabalhava no seringal Recife, no rio Jacó, em terras do município de Sena Madureira cuja produção era, pela aproximação, escoada e comercializada na pequena cidade de Xapuri. Sendo, portanto, na colocação Guarani, passagem entre o seringal e a pequena cidade situada na foz do principal afluente do rio Acre.

É importante lembrar que de acordo com a versão da morte natural, o João pernambucano, foi acometido por uma forte malária e, por isso, decidiu seguir à procura de tratamento tendo ao longo do caminho, entre a colocação onde morava e Xapuri, vindo a óbito e sido encontrado no local somente dois dias depois. João fora transportado e sem cerimônias nem honrarias enterrado, próximo a sua humilde residência localizada à margem do varadouro, como tantos outros anônimos que assim foram devolvidos a mãe natureza.

E no que diz respeito à história dos milagres as memórias revelam que o primeiro aconteceu quando, pouco tempo após a morte de João, dois seringueiros, durante caçada pelas matas da região, se perderam e sem esperança de encontrar o caminho de volta decidiram fazer promessa à alma do amigo. Contam os mais antigos que após alguns minutos de caminhada os dois homens se depararam com o local da sepultura. Decidiram então pagar a promessa feita e atendida confeccionando uma cruz para identificar o lugar exato onde João havia falecido.

Em pouco tempo a história “correu o mundo”. A alma milagrosa da colocação Guarani virou referência na região e a cada ano recebe mais pessoas advindas das redondezas e até de outras localidades, que passaram a visitar o local com frequência para fazer ou pagar as promessas e agradecer pelas bênçãos recebidas. Na última celebração, entre os dias 23 e 24 de junho, não foi diferente, visitaram o local cerca de 500 pessoas, entre devotos, curiosos e autoridades, conforme informou a policia militar.

Nessa data, a convite do professor e Diretor da Biblioteca da Floresta, Marcos Afonso e da Presidenta da FEM, Francis Mary, e acompanhados da historiadora Irineida Nobre, da coordenadora executiva, dos 25 Anos: Chico Vive mais, Walnísia Cavalcante, pelos membros da Comissão Ecumênica, padres Massimo Lombardi e Luiz Ceppi, e de outros colaboradores, tivemos a oportunidade de acompanhar a celebração da colocação Guarani.

Oportunamente pudemos compreender o quanto o evento é consistente, pois traz na sua realização não apenas a força da religiosidade herdada da cultura nordestina, mas a impressão da relação coesa que agrega valores, costumes e tradições orais daquela gente que insiste em viver e manter suas práticas, morando ali na floresta, na colocação, percorrendo dia a dia os ramais e varadouros que ligam a cidade às suas casas e vidas comuns.


LIBÉRIO SOUZA